Um promotor de justiça publicou no Jornal de Tenente Portela uma manifestação contra as músicas gaúchas com temas sobre cavalos que, no seu entender, poderiam transmitir às crianças a cultura da “valentia” do gaúcho “na forma de violência contra animais”, uma verdadeira “covardia”.
Se pararmos para pensar, temos outros estilos de música fazendo apologia a tantas coisas que nenhuma tradição explica! O fato é que não só as tradições gaúchas vêm sendo adaptadas conforme o desenvolvimento de técnicas menos invasivas, como também a própria medicina, ortodontia, etc.
Ok, não temos mais espaço para letras de música que exaltam o trato mais rude aplicado na doma tradicional, assim como não cabe mais tratar a mulher como redomão, “com maneador nas patas e pelego na cara”. Mas não podemos apagar essa cultura que vem continuamente evoluindo.
Não podemos pensar que o fato da vestimenta gaúcha, ao permitir o uso da faca, faz do portador de uma arma branca um ofensor em potencial. Não podemos pensar que a espora faz do gaúcho um açougueiro. Hoje em dia, são meros enfeites, fazem parte da indumentária gaúcha e não cortam uma folha!
Essa censura citada pelo promotor me faz lembrar a tão falada exposição “Queermuseu” no Santander Cultural de Porto Alegre. Será que a liberdade de expressão tão propagada em defesa da citada exposição seria também aplicada nas letras de música gaúcha impugnadas por este cidadão?
Na cultura gaúcha temos hoje a doma racional, regras de tiro de laço, como o laço certeiro, que faz valer a armada apenas com as aspas (sem as orelhas), regra essa de origem santa-mariense! Essa técnica reduz o número de voltas do gado na pista, preservando o animal, pois retira o laçador mais facilmente da prova.
Afora isso, já temos lei (Lei 10.519/2002) que prevê a promoção e fiscalização da defesa sanitária animal quando da realização de rodeio, entre outras providências.
Ainda, ouso dizer que para o verdadeiro gaúcho não precisaria de lei, tampouco fiscalização em prol dos animais. Para o gaúcho o cavalo além de amigo é instrumento de trabalho, e também sinônimo de beleza e força.
De resto, com a devida vênia, o aprendizado da cultura gaúcha é motivo de exemplo. Assim, prefiro ser guria criada em galpão, que um haragano (vadio) patrão de apartamento.
Texto originalmente publicado no site Claudemir Pereira em 19/10/2017.
https://claudemirpereira.com.br/2017/10/criada-em-galpao-por-luciana-manica/